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Uniluz

janeiro 16, 2012

A vida tem me dado muitos presentes ultimamente. Tem sido um presente atrás do outro, eles vêm caindo no meu colo, assim, sem pedir licença e são tão fascinantes que ando esquecido do passado e não anseio mais pelo futuro. Contudo, decidi fazer um esforço, olhar pra trás e contar pra vocês sobre o meu último presente, um grandão, que ganhei neste fim de semana. Mas para contar desse presente, tenho que falar de outro que ganhei antes, a dona Cida.

A dona Cida é uma jovem senhora de 87 anos, um presente que me foi dado pela existência. Encontrei-a por acaso no lançamento de um livro, fomos apresentados, e bastou trocamos algumas palavras, para eu saber que aquela figurinha viva e de perspicazes olhos azuis, não poderia ficar de fora do livro de biografias que estou escrevendo. Afinal, não é toda hora que se encontra uma mulher, caipira do interior do estado de São Paulo, poliglota, culta, pilota de avião e que sabe conversar e tem opinião sobre qualquer assunto. Fiz várias entrevistas com ela e, o que a princípio era curiosidade, deu lugar a uma amizade que já nasceu antiga, tamanha nossa identificação e entendimento. Ao fim de uma dessas entrevistas, perguntei a dona Cida se hoje ela ainda tinha algum sonho, se havia alguma coisa que ela ainda não tinha realizado na vida. Na lata, ela me respondeu.

__Chico, eu quero muito ir para Nazaré Paulista, um lugar que tem uma comunidade diferente, você já ouviu falar?

__Sim, eu conheço, sei onde é, já passei em frente muitas vezes.

__Pois este é um lugar que eu quero conhecer. Já faz tempo que eu planejo ir visitar, Chico, mas nunca dá certo…

__Pois agora vai dar, dona Cida, eu vou levar você lá.

Convidei minha esposa, que para minha surpresa mostrou interesse imediato e fiz as reservas por email, nos inscrevemos no Viver em Grupo, que é a porta de entrada aos interessados em conhecerem o trabalho da comunidade. Um mes depois, na tarde de partimos para Nazaré, nenhum dos 3 sabendo bem do que se tratava. A viagem é curta, pouco mais de meia hora de carro, para quem sai de São José dos Campos.

A comunidade de Nazaré, um complexo de construções de tijolos à vista, à beira da represa do Rio Atibainha, tem hoje o nome de Uniluz, Universidade da Luz e para efeitos legais e práticos, qualificou-se como uma OSCIP. O espaço foi fundado há 30 anos, por Trigueirinho, inspirado no modelo da comunidade de Findhorn, Escócia e passou por diversas transformações, até chegar ao estágio atual, um centro de estudos e vivências, que tem como meta principal incentivar a meditação e o autoconhecimento.

Logo na recepção, já se faz notar a amorosidade e harmonia do lugar. Todos se olham nos olhos, são muito prestativos e estão presentes naquilo que fazem. Nos foram passadas as instruções de funcionamento da comunidade, o programa daquele fim de semana e em seguida nos conduziram aos nossos alojamentos individuais, em meio a jardins com muitas árvores, flores e ervas medicinais. Um regra muito enfatizada para quem chega é que não se tire fotos e que se desliguem os celulares, a fim de  que a atenção se dirija ao que se passa no nosso mundo interior. Que não se emitam julgamentos e que não se fale dos outros, mas sim para os outros.

A primeira atividade em grupo foi uma meditação, em silêncio total, num local muito agradável, construído exclusivamente para esta prática. Em seguida o jantar, uma sopa de abóboras, pão integral e manteiga, muito menos do que a minha fome precisava para ser aplacada. Pelos olhares da minha esposa, o estômago dela também ficou querendo mais… A alimentação em Nazaré é lacto-ovo-vegetariana, com receitas simples e muito bem preparadas, pouco tempero mas muito amor.

Depois da janta, um breve informativo, na verdade quase que uma repetição do que já tínhamos ouvido até então e fomos liberados para dormir. No caminho para os quartos, dona Cida, minha esposa e eu, nos perguntávamos se Nazaré era só isto ou se ia acontecer alguma coisa mais interessante. O meu nível de ansiedade estava alto, e o numero de horas até domingo me pareceu enorme. Folheei um livro que havia apanhado ao acaso na biblioteca e adormeci embalado pelas explicações de dimensões coexistentes no mesmo espaço/tempo, mas que não são percebidas por todo mundo. Ainda deu tempo de pensar: será que eu não estou deixando de ver alguma coisa acontecendo bem no meu nariz? Dormi um sono profundo e reparador.

Na manhã seguinte, acordei às 5h e 45min, a tempo de participar de uma prática de ioga, que nos estava sendo oferecida como brinde pelo professor (que lá eles chamam de focalizador) Marcel, algo fora do programa. Eu já participei de muitas práticas de ioga, mas esta foi especial. Me senti carregado, cuidado e transportado para um espaço de paz e relaxamento. A sala onde fizemos a prática é toda com paredes de vidro, o que deixava passar a luminosidade mágica do dia que nascia. Fui tomado de uma gratidão imensa, simplesmente por estar naquele lugar, sem desejos e com um surpreendente deficit de pensamentos.

À partir de então, fui envolvido por um fluxo ininterrupto de bem estar e pude receber o presente de Uniluz. Me desliguei dos horários e me lancei neste rio de sabedoria, que nos conduz exatamente onde devemos ir. Parei de me preocupar com o que estava fazendo minha esposa e com o conforto de dona Cida, passei a cuidar de mim e apenas do que me acontecia a cada momento. Fiquei enroscado nos pensamentos, umas duas ou tres vezes, quando alguma criança espetava meus ouvidos com seus gritos estridentes durante o almoço, ou quando a água quente me queimou durante uma cerimônia de escalda-pés. Afora isso foi tudo luz e insights, que não foram poucos. Com destaque para a vivência de Constelação Familiar, conduzida pela focalizadora Ana Líria.

Eu já tinha ouvido falar deste método psicoterapêutico, mas, para mim, não passava de uma terapia de grupo em que os participantes atuam os seus dramas particulares como se estivessem num palco. Mas eu caí do cavalo, ou melhor, montei num cavalo alado e fui transportado para espaços insólitos, através dos despretensiosos exercícios dados pela Ana Líria. Pude experimentar a força e o poder de ressoar com os “campos mórficos” e perceber com clareza, os padrões de comportamento que vem me amarrando aos mais diversos tipos de relacionamentos, sejam familiares, profissionais ou de casal. Isto tudo em apenas 40 minutos, através de 3 exercícios simples, conduzidos pela Ana. Fiquei tão empolgado com o trabalho, que convidei-a para um fórum no site em que eu trabalho, o YuBliss, que ela prontamente aceitou.

Nós chegamos à Uniluz na sexta-feira à tarde, o sábado eu não vi passar, e no domingo eu já estava me sentido em casa, tudo muito familiar, como se eu já morasse lá há tempos. A poucas horas do fim, enquanto fazíamos a partilha das experiências, me dei conta que dentro de algumas horas eu teria que voltar para o mundo real (?), mas tive toda segurança que o aprendizado daquele fim de semana iria extravasar para o meu dia a dia.

Durante a volta, no carro, trocando impressões com dona Cida e minha esposa, constatei que elas também estavam transformadas. Minha esposa não quis nem comentar sobre seus processos internos, mas eu podia perceber, claramente, uma aura de serenidade emanando dela, além de uma evidente satisfação estampada em seu rosto. Dona Cida, que normalmente é muito tagarela, sempre encontrando um meio de encompridar as conversas, estava quieta, muito quieta. Mas era um silêncio  vindo da paz e do contentamento que vinha do banco de trás, não incomodava. Só que eu não agüentei e perguntei a ela se estava tudo bem. Ela não respondeu. Aí eu me virei e encarei-a nos olhos.

__Dona Cida!?!

__Ahn??? Está falando comigo?

__Sim, está tudo bem aí com a senhora?

__Ah! Desculpe, é que eu estou viajando na cor azul do céu, que coisa mais linda essas nuvens fofas com jeito de sorvete de massa, vocês não estão vendo?

Falou isso e voltou ao seu silêncio. Se fosse uma outra ocasião, eu teria estranhado a resposta e questionado a lucidez da minha amiga. Mas naquela circunstância eu achei muito normal a resposta dela e tive a certeza de que Nazaré tinha feito um bem enorme à Dona Cida.