Seu Amaro é uma pessoa pacata, casado, tres filhos, mineiro do sul do estado, há uns trinta e poucos anos que mora em São José dos Campos. A esposa trabalha de motorista e ele como pedreiro, são tidos como exemplo de respeitabilidade no bairro. São meus vizinhos, moram no caminho de casa e sempre que posso dou um dedo de prosa com ele ou com ela; política da boa vizinhança por um lado e por outro fico sabendo do que rola no bairro.
Ontem, dia de jogo da seleção brasileira, eu voltava pra casa e vi o Seu Amaro em frente de casa, sentado em frente ao portão, o olhar no infinito. Estranhei. Primeiro que nunca vi seu Amaro sentado, ele é um serelepe, não para nunca. E outra pelo horário, era muito cedo pra ele já ter voltado do serviço. De dentro do carro gritei pra ele:
__E aí, seu Amaro, tá tudo bem? To estranhando ver o senhor sentado uma hora dessas.
Ele tirou o cigarro da boca
__To preocupado dimais, meu filho, essas badernage que o povo deu de fazê urtimamente. Isso é coisa de desocupado, tinha logo que mandá prendê essa cambada.
Eu sabia que ele se referia às manifestações que estavam pipocando por todo país, devido ao aumento das passagens de ônibus.
__Mas seu Amaro, isso é a voz do povo, não é coisa de desocupado não. Tem estudante, dona de casa, trabalhador, em algumas cidades até os policiais estão apoiando o movimento!
__Que nada, isso é coisa de filhinho de papai, deu no noticiário de onte à noite. Tudus ele tem carro, uai! Pra que ficá fazeno arruaça por causa de preço de passage de bondão!
__A manifestação vai ser pacífica, seu Amaro, mas é claro que sempre aparecem uns infiltrados pra desmoralizar o movimento…
Seu Amaro ficou vermelho, nunca o vi tão inflamado:
__Nos tempo que eu vim pra cá pra São José não tinha essas coisa, não. Mas quem é que mandava? Os militar! Ocê ligava o rádio e não tinha notícia de assalto, de droga e bagunça nas rua. Tava bom deles dá um górpe que nem em 64 pra botá orde na casa travêis.
Eu ainda tentei argumentar mas ele não escutava nada:
__Eu queria é que eles ia em Brasília, tirava a Dilma de lá, chamava esse povo dos direitos humano, os juiz e perguntava pra eles: “Cêis tão do nosso lado ou não?”. Se estivesse a favor muito que bem, se estivesse contra mandava tudus ele pra outros país, exilado. Chegava nas passeata, passava fogo numa meia dúzia, prendia o resto num estádio e ia fazendo uma triagem pra vê quem era quem… E pra garantir o sossego, todo mundo pra dentro de casa depois das 10 da noite, que gente decente não sai depois dessas hora…
Nessas alturas eu desisti de argumentar com ele, não tinha mais o que dizer, era muito radicalismo. E que ele não ficasse sabendo que eu iria ao centro da cidade no dia seguinte, participar do Ato Pela Redução da Tarifa de Ônibus, que no fim vai acabar beneficiando ele mesmo… Ainda bem que nessa hora estouraram rojões, ele se lembrou do jogo e seu discurso mudou como num passe de mágica!
__Ai meu deus, o jogo já começou e eu nem me dei conta…
Ele saiu correndo e me deixou pensando sozinho, no medo que as pessoas tem das mudanças, mesmo aquelas que vão beneficiar suas vidas. De longe, antes de sair, eu ainda escutei a som da voz do Galvão Bueno e sua voz pasteurizada, típica do padrão Globo de locução…